A Arte de Resolver Problemas
A importância prática da Matemática reside no fato que ela nos dá ferramentas para resolver problemas de natureza quantitativa. É verdade que alguns problemas requerem uma alta dose de imaginação para serem resolvidos, daí porque falamos em "Arte de Resolver Problemas", mas é possível esboçar uma estratégia geral que se aplica a muitos deles. Basicamente, após ler e entender o enunciado do problema, nós devemos:[br][list=1][*][b]Identificar[/b] as quantidades envolvidas, denotando-as por letras tais como [math]x[/math], [math]y[/math], [math]u[/math], [math]v[/math] etc., as quais chamamos [i]variáveis do problema[/i].[br][/*][*][b]Relacionar[/b] as variáveis em termos de [i]equações[/i].[/*][*][b]Resolver[/b] as equações usando um conjunto de técnicas que podemos chamar de [i]álgebra.[/i][/*][*][b]Verificar[/b] se as soluções encontradas satisfazem as [i]condições do problema[/i].[/*][/list]Vejamos como isso se dá em um exemplo simples.
Identidades
Uma [i]identidade[/i] é uma equação que é satisfeita para todos os valores de suas variáveis. Um exemplo simples é a identidade [br][br][center][math](x+y)^2=x^2+2xy+y^2[/math][/center][br]conhecida como o [i]quadrado da soma, [/i]que vale para todos os valores de [math]x[/math] e [math]y[/math]. Por exemplo, se [math]x=1[/math] e [math]y=2[/math], temos do lado esquerdo da equação (também conhecido como [i]primeiro membro[/i] da equação) o valor[br][br][center][math](1+2)^2=3^2=9[/math][/center][br]enquanto do lado direito (o [i]segundo membro[/i] da equação) temos o valor [br][br][center][math]1^2+2\cdot 1\cdot 2 +2^2=1+4+4=9.[/math][/center][br]Que essa equação vale para qualquer valor das variáveis é algo que deve ser demonstrado, como podemos ver abaixo:[br]
Quadrado da Soma
Quando provamos uma identidade, podemos usá-la sempre que necessário para substituir uma expressão que tenha a mesma forma do primeiro membro por outra que tenha a mesma forma do segundo, ou vice-versa, o que pode nos ajudar a resolver determinado problema. Por exemplo, se [math]a+b=11[/math] e [math]ab=28[/math], quanto vale [math]a^2+b^2[/math]? Ora, pela identidade do quadrado da soma, [br][br][center][br][math](a+b)^2=a^2+2ab+b^2[/math][/center][br]donde[br][br][center][br][math]11^2=a^2+2\cdot 28+b^2[/math][/center][br][br]ou seja, [math]a^2+b^2=11^2-2\cdot 28=121-56=65[/math]. [br]Note que para resolver o problema, não precisamos nem descobrir os valores de [math]a[/math] e [math]b[/math]. Só precisamos nos lembrar que há uma identidade que envolve [math]a+b[/math], [math]ab[/math] e [math]a^2+b^2[/math]. [i]Portanto, quanto maior for nosso conhecimento das identidades, maior a nossa chance de aplicá-las em problemas[/i]. Antes de vermos mais algumas identidades, vejamos alguns exemplos de [i]não-identidades[/i] que, infelizmente, alguns insistem ainda em utilizar. [br][br][b]Antiexemplos: [/b][br][list=1][br][*] [math](a+b)^2=a^2+b^2 [/math][br][/*][*] [math]\sqrt{a+b}=\sqrt{a}+\sqrt{b} [/math][br][/*][*] [math]\frac1{a+b}=\frac1{a}+\frac1{b} [/math][br][/*][/list]Nenhuma dessas equações é uma identidade, pois é possível encontrar valores para [math]a[/math] e [math]b[/math] que não resultam em valores iguais nos dois membros. Por exemplo, [math](1+1)^2=4\neq 2=1^2+1^2[/math], [math]\sqrt{1+1}=\sqrt{2}\neq 2=\sqrt{1}+\sqrt{1}[/math] e [math]\frac{1}{1+1}=\frac{1}{2}\neq 2=\frac11+\frac11[/math].[br][br]Voltando às identidades de verdade, utilizando o quadrado da soma, podemos demonstrar uma identidade para o [i]cubo da soma:[/i]
Cubo da Soma
Essa identidade possui uma interessante interpretação geométrica. Manipule a figura abaixo para entender o que acontece.
Binômio de Newton e o Triângulo de Pascal
Qual é a expansão de [math]\left(x+y\right)^n[/math] quando [math]n>3[/math]? Existe um padrão simples para os coeficientes que aparecem na expansão de [math]\left(x+y\right)^n[/math], conhecido como [i]Triângulo de Pascal[/i]. Manipule a figura abaixo para descobrir o padrão.
Em geral, pode-se provar que [br][center][math]\left(x+y\right)^n=\binom{n}{0}x^n+\binom{n}{1}x^{n-1}y+\binom{n}{2}x^{n-2}y^2+\cdots+\binom{n}{n-1}xy^{n-1}+\binom{n}{n}y^n[/math],[/center][br]onde [center][math][br]\binom{n}{i}=\frac{n!}{(n-i)!i!}[br][/math][/center]é chamado [i]número binomial. [/i]Esse resultado é conhecido como [i]binômio de Newton[/i].[br]Lembrando que [math][br]\binom{n}{i}[/math] conta o número de subconjuntos com [math]i[/math] elementos no conjunto [math]\{1,2,3,\cdots,n\}[/math], podemos entender este resultado. Considere o coeficiente de [math]xy^2[/math] em[br][center][math][br]{{\begin{aligned}(x+y)^{3}&=(x+y)(x+y)(x+y)\\&=xxx+xxy+xyx+{\underline {xyy}}+yxx+{\underline {yxy}}+{\underline {yyx}}+yyy\\&=x^{3}+3x^{2}y+{\underline {3xy^{2}}}+y^{3}.\end{aligned}}} [br][/math][/center][br]Ele é igual a [math]{{\tbinom {3}{2}}=3} [/math] porque existem três parcelas envolvendo [math]x[/math] e [math]y[/math] com exatamente 1 [math]x[/math] e 2 [math]y[/math]'s, quais sejam,[br][center][math][br]{\displaystyle xyy,\;yxy,\;yyx,}[br][/math][/center][br]correspondendo aos três subconjuntos de [math]\{ 1, 2, 3 \}[/math] com dois elementos, [br][center][math][br]{\{2,3\},\;\{1,3\},\;\{1,2\},} [br][/math][/center][br]onde cada subconjunto especifica as posições dos [math]y[/math]'s nos termos correspondentes.
[b]Problema:[/b] Se [math]A+B=8[/math] e [math]AB=13[/math], quanto vale [math]A^3+B^3[/math]?
[b]Problema:[/b] Se [math]A+B=12[/math] e [math]AB=35[/math], quanto vale [math]A^4+B^4[/math]?
Diferença de Quadrados
Outra identidade importante é a [i]diferença de quadrados:[br][center][math]x^2-y^2=\left(x-y\right)\left(x+y\right)[/math][/center][/i]ou a [i]diferença de quadrados é o produto da soma pela diferença[/i]. Acompanhe a demonstração abaixo.
Diferença de Cubos e Diferença de Potências
De maneira semelhante, podemos obter a [i]diferença de cubos[/i] e a [i]diferença de potências:[/i]
Observando o que acontece no exemplo acima, podemos entender o que acontece em geral para [math]n>2[/math]. Quando multiplicamos [math]\left(x-y\right)[/math] por uma expressão da forma [br][center][math][br]x^n+x^{n-1}y+x^{n-2}y^2+\cdots+xy^{n-1}+y^n[br][/math][/center][br](note que as potências do [math]x[/math] decrescem e as potências do [math]y[/math] crescem), [br]as parcelas que contém [math]x[/math] e [math]y[/math] se cancelam, sobrando apenas [br][center][math][br]x^{n+1}-y^{n+1}.[br][/math][/center][br] Assim, para [math]n=3[/math] temos que[br][center][math]x^4-y^4=(x-y)(x^3+x^2y+xy^2+y^3)[/math][/center][br]
Identidades Obtidas por Substituição
A partir das identidades básicas acima, podemos obter muitas outras através de [i]substituição de variáveis[/i]. Por exemplo, fazendo [math]x=u^2[/math] e [math]y=v^2[/math] e substituindo essas variáveis na identidade da diferença de quadrados temos que[br][center][math](u^2)^2-(v^2)^2=(u^2-v^2)(u^2+v^2)[/math][/center][br]donde concluímos que[br][center][math]u^4-v^4=(u-v)(u+v)(u^2+v^2)[/math][/center][br]que é outra identidade envolvendo a diferença de quartas potências.[br][br]Por outro lado, se fizermos [math]x=\sqrt{u}[/math] e [math]y=\sqrt{v}[/math] e substituirmos na mesma identidade da diferença de quadrados, obtemos que[br][center][math](\sqrt{u})^2-(\sqrt{v})^2=(\sqrt{u}-\sqrt{v})(\sqrt{u}+\sqrt{v})[/math][/center][br]donde concluímos que[br][center][math]u-v=(\sqrt{u}-\sqrt{v})(\sqrt{u}+\sqrt{v})[/math].[/center]Entretanto, perceba que a equação não é mais válida para quaisquer valores de [math]u[/math] e [math]v[/math], mas apenas quando [math]u\ge0[/math] e [math]v\ge0[/math], pois só podemos extrair a raiz quadrada de números não-negativos. Portanto, a equação acima é uma identidade apenas se considerarmos que as variáveis [math]u[/math] e [math]v[/math] são maiores ou iguais a zero. Muitas vezes essas condições adicionais sobre as variáveis são assumidas implicitamente. [br]
Exercícios
Mostre as seguintes identidades:[br][list=1][br][*][math] (a-b)^2=a^2-2ab+b^2[/math][/*][br][*][math] a^3+b^3=(a+b)(a^2-ab+b^2)[/math][/*][br][*][math] x^2+bx=\left(x+\frac{b}{2}\right)^2-\frac{b^2}{4}[/math][/*][br][*][math] (u-1)=(\sqrt[3]{u}-1)(\sqrt[3]{u^2}+\sqrt[3]{u}+1)[/math][/*][br][*][math] (a+b+c)^2=a^2+b^2+c^2+2ab+2ac+2bc[/math][/*][br][*][math] a^3+b^3+c^3-3abc=(a+b+c)(a^2+b^2+c^2-ab-ac-bc)[/math][/*][br][/list]
Gráficos de Funções
As relações entre variáveis muitas vezes são melhor entendidas através da visualização de um [i]gráfico[/i]. Existem vários tipos de gráficos, mas vamos nos concentrar nos [i]gráficos de funções[/i]. Tudo começa com uma ideia revolucionária: a ideia de [i]sistema de coordenadas cartesiano[/i], que leva esse nome justamente por causa de seu inventor, René Descartes. Dadas duas retas perpendiculares, chamadas de [i]eixos[/i], que se encontram em um ponto [i]O, [/i]chamado [i]origem do sistema de coordenadas, [/i]e fixada uma unidade de medida, temos uma maneira bem definida de associar um par de números [math]\left(x,y\right)[/math]a cada ponto do plano determinado pelos eixos, conhecido como [i]plano cartesiano, [/i]e vice-versa, cada par de números determina um único ponto. Mova o ponto [math]A[/math] na figura interativa abaixo para ver o que acontece.
A correspondência entre pontos do plano e pares de números é obtida da seguinte maneira: traçamos uma reta [math]r[/math] paralela ao eixo vertical (o [i]eixo das ordenadas[/i]) passando pelo ponto [math]A[/math]. Essa reta intersecta o eixo horizontal (o [i]eixo das abscissas[/i]) em um único ponto, que por sua vez corresponde a um número real [math]x_A[/math] específico, já que fixamos a unidade de medida. Este número é chamado de [i]abscissa do ponto[/i] A. Analogamente, podemos traçar uma reta [math]s[/math] paralela ao eixo horizontal que passa por A, que intersecta o eixo vertical em um ponto que corresponde a um número real [math]y_A[/math] conhecido como[i] ordenada de[/i] A. Assim, construímos um par de números [math]\left(x_A,y_A\right)[/math] para cada ponto [math]A[/math] do plano. Invertendo o processo, é fácil ver que para cada par ordenado de números podemos obter um único ponto do plano.
Equações e Curvas
Mas o grande salto de Descartes foi mostrar como podemos usar a ideia de plano cartesiano para interpretar [i]equações como curvas[/i] ou, inversamente, [i]curvas como equações: [/i]se podemos associar pontos a pares de números e vice-versa, dada uma equação [math]f\left(x,y\right)=0[/math] nas variáveis [math]x[/math] e [math]y[/math] [i]podemos formar o conjunto dos pontos do plano que correspondem aos pares [/i][math]\left(x,y\right)[/math][i] de números que satisfazem a equação[/i]. Assim, podemos transformar um objeto algébrico (uma equação) em um objeto geométrico (uma curva formada pela totalidade dos pontos). É possível também fazer o contrário, pegar um curva definida por alguma condição geométrica e tentar encontrar uma equação que é satisfeita por todos os pontos da curva (em um sistema de coordenadas apropriado). Por exemplo, considere a equação[br][center][math][br]y^2=x(x^2-1)[br][/math][/center][br]Podemos verificar diretamente que os pontos [math](0,0)[/math], [math](1,0)[/math] e [math](-1,0)[/math] satisfazem a equação. Fazendo [math]x=2[/math], vemos também que [math](2,\pm\sqrt{6})[/math] também são soluções. Em geral, sempre que [math]x(x^2-1)>0[/math] teremos duas soluções para [math]y[/math], [math]y=\pm\sqrt{x(x^2-1)}[/math]. Não é fácil entender como todos os pontos que correspondem a essas soluções estão distribuídos no plano. Mas usando uma calculadora gráfica como o GeoGebra, chegamos à seguinte gráfico:
Muitas equações dão origem à curvas bonitas:
Gráficos de Funções
Nas figuras acima, pode acontecer de uma reta vertical intersectar o gráfico da equação em mais de um ponto. Mas se a dependência entre as variáveis é [i]funcional[/i], ou seja, se para cada [math]x[/math] em um certo domínio podemos associar um único [math]y=f\left(x\right)[/math], o gráfico tem a [i]propriedade que toda reta vertical intersecta o gráfico em no máximo um ponto[/i]. Vejamos alguns exemplos:
Como Desenhar o Gráfico de uma Função
O jeito mais simples de desenhar o gráfico de uma função [math]y=f\left(x\right)[/math] é calcular o valor de [math]f\left(x_i\right)[/math] para muitos números [math]x_i[/math] no domínio da função e depois ligar os pontos [math]\left(x_i,f\left(x_i\right)\right)[/math] assim gerados por segmentos de retas. Se o número de pontos for suficientemente grande, teremos a impressão de uma curva suave.[br]
Círculo Trigonométrico
Teorema de Pitágoras
Um dos fatos geométricos mais básicos é o Teorema de Pitágoras: [i]Em um triângulo retângulo, a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa[/i]. Existem centenas de demonstrações do Teorema de Pitágoras, a que vemos abaixo é basicamente a demonstração de Euclides, só que animada.
Triângulos retângulos são tão importantes que damos nomes às razões entre seus lados. Relembre as noções de [i]seno[/i], [i]cosseno[/i] e [i]tangente[/i] na figura abaixo. Mova o ponto [math]C[/math] e perceba que essas razões dependem apenas do ângulo [math]\alpha[/math], e não do tamanho do triângulo.
Como [math]c^2=a^2+b^2[/math] pelo Teorema de Pitágoras, segue a [i]Relação Trigonométrica Fundamental[/i]:[br][center][math][br]a^2+b^2=c^2 \Leftrightarrow \left(\frac{a}{c}\right)^2+\left(\frac{b}{c}\right)^2=1 \Leftrightarrow \text{sen}^2\,\alpha+\cos^2\,\alpha = 1[br][/math][/center][br]Em um triângulo retângulo, só podemos considerar o ângulo [math]\alpha[/math] variando no intervalo ([math]\left(0,90^o\right)[/math], mas com a ajuda do [i]círculo trigonométrico[/i], podemos estender as funções trigonométricas para qualquer valor real.[br]Note que podemos medir ângulos em [i]graus[/i] ou em [i]radianos[/i].