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20230604_2315-SL-Geometria Esférica e Trigonometria Esférica
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1. Introdução
- Uma pequena contextualização
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2. Geometria no Plano
- Geometria no Plano - Preliminares
- Geometria no Plano - Postulados de Euclides
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3. Geometria Esférica
- Geometria Esférica - Preliminares
- Geometria Esférica - Postulados de Euclides
20230604_2315-SL-Geometria Esférica e Trigonometria Esférica
Eduardo José Caetano Branco, Jun 4, 2023

Com base no Programa e Metas Curriculares de Matemática para o Ensino Básico, este trabalho apresenta uma introdução à Geometria Esférica acessível a alunos do Ensino Secundário. São apresentados conceitos e resultados basilares de Geometria e Trigonometria Esférica e representações geométricas dos mesmos para, recorrendo à manipulação/experimentação que o GeoGebra possibilita, torná-los mais explícitos e claros para alunos e utilizadores. Com determinadas considerações, estabelece-se também uma correspondência entre resultados de Geometria Esférica abordados neste trabalho e resultados de Geometria no Plano bem conhecidos por alunos do Ensino (Básico e) Secundário (nomeadamente, conceitos como retas, segmentos de reta e triângulos, e, resultados como soma das medidas de amplitude dos ângulos internos de um triângulo, Teorema de Pitágoras, Critérios de Igualdade de Triângulos e Lei dos Cossenos e Lei dos Senos).
Table of Contents
- Introdução
- Uma pequena contextualização
- Geometria no Plano
- Geometria no Plano - Preliminares
- Geometria no Plano - Postulados de Euclides
- Geometria Esférica
- Geometria Esférica - Preliminares
- Geometria Esférica - Postulados de Euclides
Uma pequena contextualização
Os “Elementos” de Euclides assumem um papel fundamental na história da Matemática, pois as definições, os axiomas ou postulados (conceitos e proposições admitidos sem demonstração e que constituem os fundamentos da obra, nomeadamente, os de ponto, reta e plano) e os teoremas, não aparecem como mera reunião de noções e resultados, mas, antes, são apresentados por uma ordem determinada que garante a validade lógica da obra. Cada teorema resulta dos axiomas, dos postulados, das definições e dos teoremas anteriores, de acordo com demonstrações rigorosas. Este método, chamado , estabeleceu um sistema lógico em que, desde aí, se baseou todo o trabalho matemático (e, em geral, todo o trabalho científico). No entanto, é necessário referir que, apesar da excelência do trabalho feito nos “Elementos” de Euclides, existem imperfeições. Algumas das suas demonstrações admitem resultados sem demonstração (embora, muitas vezes, sejam intuitivos), e os seus postulados não são unanimemente aceites como necessários: nomeadamente, o V Postulado. A Geometria na Superfície Esférica ou, simplesmente, Geometria Esférica (como doravante a iremos chamar neste trabalho), que conta com resultados que remontam à antiguidade clássica, e que tem diversas e importantes aplicações práticas ao longo da história, vai constituir um exemplo de que o V Postulado é necessário nas geometrias euclidianas, pois, caso não seja adotado, obtêm-se geometrias diferentes. É com estas premissas e motivações que vamos então, com as devidas considerações, tentar estabelecer uma correspondência entre Geometria no Plano (uma geometria euclidiana) e a Geometria Esférica, apontando semelhanças e evidenciando diferenças, ao mesmo tempo que proporcionaremos, talvez, o primeiro encontro do leitor com uma geometria não euclidiana. Esta obra GeoGebra dedica-se, essencialmente, a relembrar parte da axiomática de Geometria no Plano, parte integrante dos Programas e Metas Curriculares de Matemática para o Ensino Básico (o que fazemos no Subcapítulo 2.2, de nome Geometria no Plano - Postulados de Euclides); a introduzir algumas noções basilares de Geometria Esférica (o que fazemos no Subcapítulo 3.1, de nome Geometria Esférica - Preliminares); e, com determinadas correspondências estabelecidas, a ver de que maneira essa axiomática se "concretiza" em Geometria Esférica (o que fazemos no Subcapítulo 3.2, de nome Geometria Esférica - Postulados de Euclides). Desta maneira, pretendemos contribuir para um aprofundamento e/ou complementação das aprendizagens de Matemática A dos alunos do Ensino Secundário, nomeadamente:
- clarificando e explorando a estrutura axiomática, base fundamental e que garante a validade lógica do trabalho científico,
- introduzindo a Geometria Esférica e averiguando se é uma geometria euclidiana, e
- fomentando futuras explorações de Geometria Esférica através das bases aqui estabelecidas.
Geometria no Plano - Preliminares
Consideramos no plano um referencial ortonormado (em particular, ficamos com uma unidade de medida de comprimento definida). No plano, consideramos retas e segmentos de reta da maneira habitual. A distância entre dois pontos do plano é o comprimento do segmento de reta que tem como extremos esses dois pontos e é encontrada da maneira habitual: Sejam e dois pontos do plano. Então existem tais que e são as coordenadas de e , respetivamente, no referencial cartesiano considerado. Denominamos a (ou, simplesmente, ), que denotamos por , a medida de comprimento do segmento de reta , que denotamos por , e vale .
Apliqueta 01: Nesta apliqueta tens:
- a origem do referencial, ;
- uma reta que passa em fixa, ;
- um ponto arbitrário de , ; e
- um ponto arbitrário do plano, .
- a 1.ª caixa podes visualizar as retas e ;
- a 2.ª caixa podes visualizar os segmentos de reta , e ; e
- a 3.ª caixa podes visualizar as distâncias , e .

No plano, uma é formada pelos pontos que estão à mesma distância, o (um número real positivo arbitrário), de um ponto fixo, o , e um é o conjunto de todos os pontos que estão a uma distância ao centro não superior ao raio. Quando não houver ambiguidade, chamamos também raio a qualquer segmento de reta unindo um ponto da circunferência ao seu centro (portanto, tal como é habitual em textos de geometria, existe aqui um abuso de linguagem: raio de uma circunferência é utilizado tanto como sendo um segmento de reta como sendo uma medida de comprimento). Da definição de circunferência vem que quaisquer dois raios (aqui já no sentido de segmentos de reta) têm a mesma medida de comprimento.
Apliqueta 02: Nesta apliqueta move o ponto para obteres uma circunferência de centro em e com uma medida de raio qualquer, e move o ponto ao longo dessa circunferência para comparares a medida de comprimento de qualquer raio.

Geometria Esférica - Preliminares
Consideremos um referencial ortonormado no espaço (em particular ficamos com uma unidade de medida de comprimento definida).Consideremos a superfície esférica de centro em , a origem do nosso referencial, e raio . Designamos esta superfície esférica por e notamo-la por . Notamos que com esta designação, ocorre uma situação que não nos é habitual (mas que é usual em Geometria Esférica): trataremos superfície esférica pela nomenclatura esfera. Também de acordo com um procedimento comum em Geometria Esférica, no resto deste trabalho, a menos de indicação em contrário, iremos sempre trabalhar com a esfera trigonométrica, , sendo que as definições e resultados a que vamos chegar poderão sempre ser adequados a qualquer outra superfície esférica. Analogamente, no resto deste trabalho, a menos de menção em contrário, sempre que falarmos em planos, estaremos apenas a considerar planos que intersetem a circunferência trigonométrica. Designamos por ou a interseção de com um plano que passa no seu centro, e designamos por a interseção de com um plano que não passa no seu centro. Um grande círculo divide a a superfície esférica em duas regiões iguais a que chamamos . Notamos que consideramos esses hemisférios como regiões que não contêm o grande círculo que lhes deu origem. Seja um ponto arbitrário de . A interseção de e a reta é um conjunto constituído por dois pontos, onde um deles é, obviamente, o próprio ponto . Designamos por , e notamo-lo por , o outro ponto que é resultado dessa interseção. Da definição de círculo máximo em é fácil concluir que um círculo é máximo se e só se o seu perímetro medir unidades de comprimento. De seguida vamos ver um resultado que nos dá mais um critério para aferir se um círculo de é ou não máximo. Proposição Seja um círculo arbitrário de e seja um ponto arbitrário de . Então o círculo é máximo se e só se o antípoda de pertence a . Demonstração: Seja um círculo máximo de e sejam e dois pontos arbitrários de . Então, por definição de círculo máximo, o círculo máximo pode ser obtido através da interseção do plano e de . Então é óbvio que pertence ao grande círculo (pois a reta pertence ao plano e, como tal, pertence a ). Consideremos agora um ponto de e o seu antípoda . Seja um ponto arbitrário de diferente de e de . Então é óbvio que o plano coincide com o plano (pois o ponto pertence à reta ) e, como tal, o círculo é um círculo máximo de . Pela arbitrariedade de temos o pretendido.
Apliqueta 8: Nesta apliqueta podemos concluir que o círculo de é máximo através das três maneiras que temos até agora ao nosso dispor:
- por definição, vendo que o círculo resulta da interseção de e do plano ,
- vendo que tanto o antípoda de como o antípoda de pertencem ao círculo ,
- e, recorrendo às capacidades do GeoGebra, vendo que o perímetro do círculo de é (este último não é um método conclusivo porque temos apenas valores aproximados).
Como e são pontos arbitrários de (utilizando a apliqueta podes movê-los livremente em ), e, como pelo vimos anteriormente, o círculo é máximo, esta apliqueta permite-nos visualizar qualquer grande círculo de .

Apliqueta 9: Nesta apliqueta temos uma representação de e de três dos seus pontos, , e . Movendo os pontos , e podemos visualizar qualquer círculo de . Recorrendo às potencialidades do GeoGebra, e aos três critérios descritos anteriormente, podemos instantaneamente comprovar se os círculos obtidos em cada situação são grandes ou pequenos (pensa no que deves fazer na apliqueta para conseguires observar o pretendido em cada um dos critério). Nesta apliqueta introduziu-se um elemento que, recorrendo ao valor do perímetro do círculo , nos confirma automaticamente se o círculo é ou não máximo (tal como foi descrito na apliqueta anterior, este processo não é exato por recorrer a valores aproximados).

Acabámos então de ver que na esfera trigonométrica podemos considerar pontos e círculos (sejam eles grandes ou pequenos círculos), mas o que dizer acerca de segmentos de reta e de retas? É óbvio que, qualquer segmento de reta ou reta definidos por dois pontos de , apenas podem ter esses dois pontos em , pois é uma superfície esférica e, assim, os restantes pontos serão interiores a (no caso de segmentos de reta) ou interiores e exteriores a (no caso de retas), e, como tal, não pertencem a . Pretendemos neste trabalho estabelecer uma correspondência entre Geometria Esférica (onde o universo a considerar é a esfera trigonométrica ) e Geometria no Plano e, para isso, vamos ter de tomar algumas considerações. Então:
- a segmentos de reta no plano vamos fazer corresponder arcos menores de grandes círculos (que também poderão ser designados por segmentos de grandes círculos) em ; e,
- a retas no plano vamos fazer corresponder grandes círculos em .
Estas correspondências podem parecer estranhas quando nos deparamos com elas pela primeira vez mas tornam-se "naturais" depois de nos debruçarmos um pouco sobre elas. No plano, definimos a distância entre dois pontos como sendo a medida de comprimento do segmento de reta que une esses dois pontos, pois essa é "a menor distância" entre eles. E na superfície esférica qual é a menor distância entre dois pontos de $S$? É exatamente a medida de comprimento do arco menor do grande círculo que contém esses pontos. Este é um facto comummente conhecido pelos alunos do Ensino Secundário e não só: basta lembrarmo-nos do que estudámos na disciplina de Matemática - e em outras! - acerca da distância de dois pontos na superfície terrestre (que foi aí considerada como sendo a superfície de uma esfera). No plano, ao prolongarmos indeterminadamente um segmento de reta obtemos uma reta. Considerando a correspondência anterior entre segmentos de reta e segmentos de grandes círculos, torna-se também natural fazer corresponder grandes círculos em a retas no plano, pois ao prolongarmos "indeterminadamente" segmentos de grandes círculos obtemos, obviamente, círculos máximos. Sejam e dois pontos de arbitrários. Designamos por , e notamo-lo por , o arco menor de um grande círculo que contenha e . Chamamos (ou, quando não houver ambiguidade, simplesmente ) e à medida de comprimento de um segmento esférico , e notamo-la por .
Apliqueta 10: Nesta apliqueta temos uma representação de e de dois pontos arbitrários e de . Podes deslocar livremente os pontos e em e visualizar o segmento esférico que os une. Para confirmares que o arco de circunferência que vemos é, de facto, um segmento esférico, podes selecionar o plano que passa na origem de e nos pontos e , constatando assim que o arco de circunferência visualizado é, efetivamente, o de um círculo máximo.

A anterior apliqueta 9 permite fazer mais uma importante conjetura. Tal como observamos na apliqueta, , a medida de comprimento do segmento esférico (que, obviamente, é dada em unidades de medida de comprimento - apesar de, neste trabalho, não termos definido uma unidade de medida de comprimento em particular), coincide com a medida de amplitude do ângulo em radianos, . Para sermos precisos, do observado apenas podemos conjeturar a igualdade atrás descrita. No entanto, e como é bem conhecido pelos alunos do Ensino Secundário, a medida de comprimento do segmento esférico é calculada recorrendo a proporcionalidade direta e ao perímetro do grande círculo , chegando-se exatamente à fórmula que prova a igualdade observada atrás: . Portanto esta igualdade, apesar de poder ter surpreendido alguns de nós num primeiro momento, é perfeitamente esperada. O que é aqui novo e que queremos realçar é: a medida de comprimento de um segmento esférico , ou seja, a distância entre dois pontos e de , , poder ser expressa tanto em unidades de medida de comprimento como em radianos.
Apliqueta 11: Nesta apliqueta, temos uma representação de e de três pontos arbitrários , e de . Podes mover livremente os pontos , e em para poderes conjeturar que, de facto, o comprimento desse arco é sempre menor ou igual ao comprimento de qualquer outro arco de circunferência de (neste caso, comparando com o arco ) e que, assim, a distância esférica que definimos satisfaz o que pretendíamos, ou seja, é a "menor distância" entre dois pontos de (neste caso, os pontos e ). Mais uma vez, para confirmares se os arcos de circunferências que vemos são ou não segmentos esféricos de , podes selecionar na apliqueta:
- o plano que passa na origem de , , e nos pontos e , e confirmar que o arco menor é um segmento esférico; e
- selecionar o plano que passa nos pontos , e para confirmar que o arco de circunferência é um segmento esférico quando e apenas quando coincide com o segmento esférico (pois, apenas neste caso, temos o plano a passar no centro de ).

Uma vez que já estabelecemos em Geometria Esférica correspondentes para segmentos de retas e para retas em Geometria no Plano, podemos agora estabelecer também uma correspondência para ângulos. Esta é no entanto uma definição mais complexa e que vamos apresentar apenas com o rigor necessário para os desenvolvimentos que pretendemos fazer. Mais uma vez, o GeoGebra tem aqui uma importância fundamental, pois permite-nos perceber e conjeturar relações de maneira simples e que são suficiente para as explorações que faremos.
Sejam , , e pontos de . Consideremos os planos e , e os grandes círculos que resultam das interseções desses planos e de (respetivamente, os círculos máximos e ). Seja um ponto arbitrário do círculo . No Espaço Euclidiano, definimos como sendo a única reta tangente a em que está contida no plano . Consideremos agora dois grandes círculos e de que se intersetem num ponto . Definimos (respetivamente, e ), como sendo o ângulo euclidiano formado pelas retas tangentes aos grandes círculos no ponto de interseção (respetivamente, nos pontos de interseção de e ). Esta definição estende-se naturalmente a segmentos esféricos que se intersetem (refletir sobre esta definição, nomeadamente, se deveria ser ângulo entre retas ou entre semirretas, e se o ângulo fica univocamente determinado). Nota: Na definição de ângulo esférico entre os grandes círculos e estamos a presumir que eles se intersetam. Isto ainda não foi provado (é um exemplo da falta de rigor que anteriormente avisámos que poderia ocorrer) mas, de facto, prova-se que, quaisquer dois grandes círculos (distintos) intersetam-se sempre em dois pontos (vamos ter oportunidade de o constatar no próximo subcapítulo), logo, não existe qualquer problema com esta definição.
Apliqueta 12: Nesta apliqueta temos dois grandes círculos e de e vamos visualizar os ângulos esféricos entre esses dois grandes círculos. Para isso, temos caixas cujas seleções nos permitem uma perceção faseada dos procedimentos a realizar, procurando dessa maneira simplificar as construções a empreender. Podemos também observar que o ângulo esférico entre os grandes círculos e (que foi definido como o ângulo euclidiano entre as retas tangentes aos círculos máximos num ponto de interseção desses círculos) podia também ter sido definido como o ângulo euclidiano entre os planos e . As reflexões propostas atrás acerca da definição de ângulo entre dois grandes círculos e se esse ângulo fica univocamente determinado, são também auxiliadas pela utilização desta apliqueta.
